O DIREITO DA VÍTIMA DE CRIMES À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS

Em nosso ordenamento jurídico, é sabido que a responsabilidade civil independe da responsabilidade penal, pois o Código Civil, em seu artigo 935, adotou o sistema de independência entre as esferas cível e criminal, sendo possível a propositura de ações judiciais de forma separada. Em complementação, prevê ainda o supra dispositivo legal que, uma vez decididas, e reconhecidas, na esfera criminal, a autoria e a materialidade do crime praticado, estas questões restarão superadas no cível, não podendo mais serem discutidas, restando apenas o quantum de indenização a ser fixado em prol da vítima ou de seus herdeiros ou sucessores legais.

A doutrina e a nossa legislação consagraram, portanto, o princípio de que, para a vítima ou seus herdeiros ou sucessores buscarem a via cível para a indenização de danos morais e/ou materiais contra o autor de determinado crime contra pessoa, mormente aqueles contra a vida, contra a honra, contra o patrimônio e contra a dignidade sexual, era necessária uma sentença criminal condenatória e já transitada em julgado, ou seja, contra a qual não mais cabia recurso algum.

Tal condição fazia com que as vítimas devessem aguardar toda a tramitação do processo criminal para, só depois da condenação definitiva do réu, poderem manejar qualquer ação de reparação de danos, o que levava, invariavelmente, um longo tempo de espera.

Contudo, em 02 de Junho do corrente ano, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua 3ª Turma, decidiu, por unanimidade, ao julgar o Recurso Especial nº 1.829.682-SP, que, havendo comprovação da autoria do delito e da sua materialidade no processo criminal, mesmo que o caso ainda esteja na pendência de ser sentenciado, a vítima ou seus herdeiros e sucessores poderão ingressar com a devida ação de reparação de danos, não havendo prejudicialidade entre as duas ações.

Esta independência entre as instâncias foi ressaltada no referido Acórdão do STJ, a qual se justificaria pelo fato de ser o juízo cível menos rigoroso que o criminal na análise dos requisitos para a condenação, tendo em vista que as sanções impostas por este também podem ser muito mais gravosas: enquanto no juízo cível a condenação limita-se à fixação da indenização, no juízo criminal poderá atingir a privação da liberdade daquele que é acusado.

No corpo da Decisão constam as seguintes referências à doutrina de Flávio Tartuce, na obra Manual de Responsabilidade Civil , volume único, Rio de Janeiro, Forense, pág. 1.434:  “1- Há independência das instâncias civil, penal e administrativa: o autor do dano pode ser responsabilizado, cumulativamente, na jurisdição civil, penal e administrativa; 2- Há, porém, repercussão da decisão criminal no juízo cível, naquilo que é comum às duas jurisdições. A apreciação da culpabilidade é feita de modo distinto, na instância cível e criminal: a decisão criminal, neste aspecto, não vincula o juízo cível; 3- A sentença penal faz coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente do crime;  4- Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação cível poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato;  5- A absolvição que tem como base a falta ou a insuficiência de prova quanto à existência do crime ou da autoria não impede a exigência de indenização. A absolvição por insuficiência de prova quanto à culpabilidade também não inibe o dever de reparar o dano;  6- A ação indenizatória pode ser proposta antes ou no curso da ação penal, porque é dela independente;  7- A lei faculta o sobrestamento da ação civil para aguardar o julgamento da ação penal, o que é admissível quando o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação da existência do fato delituoso, constituindo questão prejudicial;  8- Não impedem a propositura da ação civil o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação, nem a decisão que julgar extinta a punibilidade e nem a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.”

De todo o exposto, pode-se concluir que: 1- em caso de sentença penal condenatória contra a qual não caiba mais recurso, há inquestionável obrigação do réu de indenizar a vítima;  2- em caso de sentença absolutória em virtude do reconhecimento de inexistência do fato, da negativa de autoria, não haverá obrigação de o réu indenizar a vítima;  e, 3- estando a ação penal ainda em trâmite, mas, desde que já haja a prova inequívoca da materialidade do delito e da sua autoria, é possível o ajuizamento imediato da ação cível para a reparação dos danos morais e materiais sofridos pela vítima.

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