JUSTIÇA RECONHECE QUE NÃO INCIDE ITCMD SOBRE PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA – VGBL – DEIXADO POR FALECIDO

 

A Constituição Federal, na Seção IV do Capítulo I do Título VI, ao disciplinar o sistema tributário nacional, previu que os Estados da Federação e o Distrito Federal são competentes para instituir impostos sobre a transmissão causa mortis e a doação sobre bens e direitos. Reza o texto fundamental:

 

Art. 155. Compete aos estados e ao Distrito Federal, instituir impostos sobre:

I- Transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

Assim sendo, o fato gerador do mencionado tributo é a transmissão, ou seja, a transferência de titularidade, a título gratuito, de bens ou de direitos para outra pessoa, tal como ocorre na herança. Portanto, a condição sine qua non para que haja a incidência do imposto em tela e seja legítima a cobrança do ente tributário é, efetivamente, a transferência de titularidade dos bens. Caso não comprovada a presença desta condição, estará demonstrada a inexistência da obrigação tributária em relação ao contribuinte, o qual deixa de ser sujeito passivo da obrigação.

Em nosso país tem se tornado comum a contratação de planos de previdência privada por pessoas preocupadas com a situação deficitária da previdência social, procurando, no futuro, receber um benefício condizente com suas necessidades ou, caso venham a falecer antes da percepção do benefício, este possa ser recebido por pessoas indicadas, já na contratação do plano, como beneficiárias.

O plano de previdência gera um determinado número de cotas, na proporção dos valores aportados, tendo natureza de seguro de vida com regulamentação dada pela Lei Complementar nº 109/2.001, não integrando o acervo hereditário do titular do plano caso este venha a falecer.   As aplicações em fundo de previdência privada, propriamente no caso do VGBL, possuem natureza securitária e, assim, não integram o acervo hereditário do titular em caso de seu falecimento, mas sim compõem o patrimônio dos beneficiários indicados pelo contratante do plano.

A previdência privada consiste numa espécie de investimento com regramento próprio, em que o participante acumula recursos financeiros que lhe fornecerão uma fonte segura de renda, podendo ser aberta ou fechada, sendo regulamentada pela Lei Complementar nº 109/2.001, que em seu artigo 2º dispõe:

Art. 2º. O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta lei complementar.

Tais planos possuem a mesma natureza dos seguros de vida, conforme disciplinado no artigo 73 do mesmo diploma:

Art. 73.  As entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras.

Porém, vem ocorrendo sistematicamente a cobrança, aliás, indevida, por parte de Estados da Federação, do ITCMD quando do resgate, pelos beneficiários do plano, após o falecimento do titular.

Nesta hipótese, os Estados que assim agem extrapolam de forma inequívoca o limite constitucional do seu poder de tributar ao considerar um fato gerador não previsto na definição legal do indigitado tributo, pois não há nenhuma transferência patrimonial da pessoa falecida para os beneficiários, vez que os valores existentes no VGBL já pertenciam a cada um deles desde a contratação. Não se faz presente, portanto, o fato gerador descrito no artigo 35 do Código Tributário Nacional, razão pela qual a cobrança efetuada pelos Estados revela-se ilegal.

Há que se comentar acerca da natureza dos planos VGBL, os quais, segundo a definição de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, na obra Código Civil Comentado, Editora Manolle, p. 772, “não integram o acervo hereditário, uma vez que, tratando-se de valor pertencente ao beneficiário, não se sujeita às dívidas do segurado e nem se considera herança, pois, se instituído por contrato em benefício de herdeiro, por exemplo, não está submetido à colação”.

Assim, resta indene de dúvida que os planos de previdência complementar, a exemplo do VGBL, possuem inequívoca natureza de seguro de pessoa e, por conseguinte, não integram o acervo hereditário de seu titular, pois os valores são, efetivamente, dos beneficiários assim nomeados desde a instituição do plano, não podendo servir de fato gerador ao ITCMD para legitimar o Estado Federado a cobrá-lo.

Este tem sido, aliás, o entendimento em nossos Tribunais, notadamente nos Tribunais de Justiça do Paraná, do Rio de Janeiro e no Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0037991-96.2017.8.24.0000, da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de  Curitiba.

Relatora: Des. Ângela Maria Machado Costa

Agravo de instrumento – tutela provisória – possibilidade de deferimento – entendimento consolidado de que o VGBL tem natureza securitária –aplicação do art. 794 do Código Civil Brasileiro – exclusão do ITCMD que não implica em exclusão do IR-RF – permissão concedida pelo legislador – recurso conhecido e provido.

 

TJPR – 12ª Câmara Cível – AI – 1700113-7 – Curitiba –  Rel. Des. Ivanise Maria Tratz Martins – Unânime –  J. 28.02.2018

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DISCUSSÃO ENVOLVENDO INCIDÊNCIA DE ITCMD SOBRE VALORES EXISTENTES EM PLANOS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR VGBL E PGBL. DECISÃO AGRAVADA QUE AFASTA A INCIDÊNCIA, ENTENDENDO TRATAREM-SE DE CONTRATOS COM NATUREZA DE SEGURO DE VIDA, NÃO PODENDO SER ENQUADRADOS COMO HERANÇA. IRRESIGNAÇÃO DO ESTADO. PRECLUSÃO. INOCORRÊNCIA. EXPRESSA RESSALVA DO JULGADOR, NA DECISÃO INDICADA COMO GERADORA DA PRECLUSÃO, DE QUE A QUESTÃO SERIA ANALISADA POSTERIORMENTE. MÉRITO. EMBORA O VGBL (VIDA GERADOR DE BENEFÍCIOS LIVRES) TENHA NATUREZA DE SEGURO DE PESSOA, NÃO SE ENQUADRANDO NO CONCEITO DE HERANÇA, O PGBL (PLANO GERADOR DE BENEFÍCIOS LIVRES) TEM NATUREZA DE PLANO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR ABERTA, NÃO DE SEGURO DE PESSOAS. INCIDÊNCIA DO ITCMD QUE DEVE SE DAR APENAS SOBRE O MONTANTE INVESTIDO NO PGBL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 

Apelação Cível nº 076811-71.2015.8.19.0001 – TJRJ – Rel. Des(a). Flávia Romano de Rezende – Julgamento: 23/05/2018 – 17ª Câmara Cível

TRIBUTÁRIO. ANULATÓRIA. ITCMD. PREVIDÊNCIA PRIVADA NA MODALIDADE VGBL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL. NATUREZA JURÍDICA DE SEGURO DE PESSOAS. RESOLUÇÃO CNSP N.º 140/2005. CIRCULAR SUSEP N.º 339/2007. EM SENDO UM PRODUTO SECURITÁRIO, NÃO SE ENQUADRA COMO HERANÇA CONSOANTE DISPOSTO NO ART.794 DO CÓDIGO CIVIL. SOLUÇÃO QUE SE MOSTRA CORRETA. INAPLICABILIDADE DO RESP N.º 1.121.719-SP, VISTO QUE TAL PRECEDENTE TRATA DE PGBL. RECURSO DESPROVIDO.

 

INVENTÁRIO – POSSIBILIDADE DE ISENÇÃO DO ITD – PLANO VGBL – NATUREZA DO BENEFÍCIO -INTELIGÊNCIA DO ART. 794, DO CÓDIGO CIVIL – Considerando a natureza securitária do referido plano, deverá ser aplicada a regra prevista no art. 794 do C.Civil. O Juízo singular deu correta solução a controvérsia, uma vez que não sendo a verba em comento considerada herança, deve ser afastada a incidência do imposto de transmissão causa mortis. Isenção que pode ser declara pelo Juízo do inventário. Recurso desprovido” (TJRJ – Agravo de Instrumento nº 0062338-20.2014.8.19.0000  – Rel. Des. Edson Vasconcelos -Julgamento: 11/02/2015 – 17ª Câmara Cível

 

STJ – Resp 1132925/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 03/10/2013, DJe 06/11/2013

Recurso especial – seguro de vida e processual civil – terceiro beneficiário de indenização securitária – legitimidade do espólio para ajuizar cobrança da indenização – manifesto descabimento, por expressa vedação legal e por ser direito que não integra o acervo hereditário – prolação de superveniente sentença, com resolução do mérito, julgando improcedentes os pedidos exordiais – perda do interesse recursal. Diante dos expressos termos do art. 794 do Código Civil/2002, no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. Nesse caso, o beneficiário é o terceiro designado pelo falecido, por isso é descabido que tal direito componha o acervo hereditário composto pelos bens da segurada…..

 

Ainda acerca da natureza do regime privado de previdência face ao regime social, fica evidente que aquele tem um caráter assecuratório do padrão econômico dos segurados e de seus dependentes, e não de um fundo de investimento qualquer.

O que se percebe então, na mesma linha de raciocínio dos inúmeros julgados, é que a previdência privada pode até ter certas características de um fundo de investimento. No entanto, inquirindo-se mais a fundo, resta nítida a figura assecuratória da mesma em relação aos seus contratados e dependentes, o que acaba por defini-lo como um seguro de vida em essência, até porque protege os dependentes do titular ou terceiros nomeados por este em caso de sua morte ou invalidez. Tanto é assim que, as entidades que operam essas previdências privadas são controladas e fiscalizadas pela Susep, Superintendência de Seguros Privados, através do Decreto-Lei nº 73/1996, cujo artigo 3º disciplina que:

Art. 3º. Consideram-se operações de seguros privados os seguros de coisas, pessoas, bens, responsabilidades, obrigações, direitos e garantias.

Parágrafo único: ficam excluídos das disposições deste decreto-lei os seguros do âmbito da Previdência Social regidos pela legislação especial pertinente.

Corroborando o supra entendimento, definiu o Código Civil de 2.002, na redação iniludível e sem ambiguidade do artigo 794, que seguros de vida ou de acidentes não podem ser tratados como herança, in verbis:

Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

Ainda, segundo definição da SUSEP, Superintendência de Seguros Privados  constante no site oficial, VGBL, ou seja, Vida Gerador de Benefícios Livres, é um plano por sobrevivência de seguro de pessoas que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal, que poderá ser vitalícia ou por período determinado – ou um pagamento único. Logo, os respectivos valores, dada a sua natureza, não podem integrar a herança do seu titular por não se caracterizar como tal para todos os fins de direito, pois esses planos são transferidos diretamente aos beneficiários em caso de morte do titular.

Portanto, havendo expressa indicação de beneficiários no plano, é a estes que o pagamento deve ser realizado, mas sem a incidência do ITCMD. Nesta coerência, o saldo do plano não pode ser levado ao inventário, evitando que, de forma irregular e disfarçada, venha o entre tributário, com sua conhecida cupidez arrecadatória, cobrar indevidamente um imposto que não é devido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima